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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Caso Clínico - Leishmaniose

Pág. 98

Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 43(1):98-99, jan-fev, 2010

Relato de Caso/Case Report
Relato de caso autóctone de leishmaniose visceral canina na zona sul
do município do Rio de Janeiro



Report on an autochthonous case of canine visceral leishmaniasis in the southern zone of the
municipality of Rio de Janeiro

Fabiano Borges Figueiredo1, Carlos José de Lima Barbosa Filho1, Edvar Yuri Pacheco Schubach1, Sandro
Antonio Pereira1, Lílian Dias Nascimento2 e Maria de Fátima Madeira2
 
RESUMO

O Brasil enfrenta uma expansão e urbanização da leishmaniose visceral
americana com casos humanos e caninos em várias cidades de grande porte.
O presente relato descreve um caso de leishmaniose visceral canina autóctone
em uma área não endêmica no município de Rio de Janeiro.

Palavras-chaves: Leishmania. Cão. Diagnóstico.



ABSTRACT

Brazil is facing expansion and urbanization of American visceral
leishmaniasis, with human and canine cases in several large-sized cities. This
report describes an autochthonous case of canine visceral leishmaniasis in a
nonendemic area in the municipality of Rio de Janeiro.
Key-words: Leishmania. Dog. Diagnosis.



RELATO DO CASO

Um cão procedente do bairro de Laranjeiras, zona sul do
município de Rio de Janeiro, com suspeita clínica e prévio
diagnóstico sorológico positivo para leishmaniose realizado em um
serviço veterinário privado foi encaminhado para avaliação clínica e
laboratorial no Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC)
da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), RJ.

O paciente era macho, adulto, da raça cocker spaniel inglês,
14 quilos, vacinado contra raiva e apresentava bom estado geral.
Segundo o proprietário, não foram observadas alterações do apetite,
dos hábitos intestinais e de micção. No histórico, foi registrado que o
animal era nascido e criado no bairro de Laranjeiras, possuía hábito
domiciliar, não havia se deslocado para regiões endêmicas de LVA;
entretanto, frequentemente, era levado para passeios em um parque
na mesma região, com extensa área verde, presença de lagos artificiais,
árvores e plantas tropicais.

No exame clínico, foram observadas úlceras recobertas por
crostas nos membros posteriores, adenite generalizada, descamação
cutânea furfurácea e onicrogrifose. Para a coleta de espécimes
clínicos, o animal foi submetido à sedação com cloridrato de
quetamina 10% (10mg/kg) associado à acepromazina 1% (0,2mg/
kg) por via intramuscular. Após anestesia local com cloridrato de
lidocaína 2%, antissepsia e tricotomia, foi realizada biópsia de
pele íntegra da região escapular para realização do diagnóstico
parasitológico (cultura). Para o exame sorológico, foi coletado
5,0mL de sangue através da punção da veia jugular. Na cultura
parasitológica, foram isoladas formas promastigotas identificadas
por eletroforese de isoenzimas como Leishmania (Leishmania)
chagasi. O diagnóstico sorológico realizado através do teste
qualitativo para detecção de anticorpos para leishmaniose visceral
canina (teste rápido dupla plataforma - Bio-Manguinhos/Fundação
Oswaldo Cruz) foi positivo.

Todos os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética
no Uso de Animais (CEUA-FIOCRUZ - L – 017/06).



INTRODUÇÃO

No Brasil, a leishmaniose visceral americana (LVA) constitui um
grave problema de saúde publica devido a sua ampla distribuição
geográfica, ao elevado número de casos e a gravidade de suas
formas clínicas1,2. É uma zoonose que acomete seres humanos e
outras espécies de animais domésticos e silvestres, causada por
Leishmania (Leishmania) chagasi, cujo principal vetor incriminado
pela transmissão é Lutzomyia longipalpis1,3. Em meados dos anos
1980, constatou-se uma transformação nos padrões epidemiológicos
da LVA, cuja doença, antes restrita às áreas rurais do nordeste
brasileiro, avançou para outras regiões indenes alcançando a periferia
de grandes centros urbanos. A partir dos anos 1990, os Estados do
Pará e Tocantins (região norte), Mato Grosso do Sul (região centro-
oeste), Minas Gerais e São Paulo (região sudeste) passaram a figurar
de maneira significativa nas estatísticas da LVA no Brasil1.

No município do Rio de Janeiro, o primeiro caso de LVA humana
foi registrado em 1977 e, desde então, casos caninos são frequentemente
relatados em regiões peri-urbanas na zona oeste da cidade4-6. Este relato
descreve um caso autóctone de leishmaniose visceral canina (LVC) no
bairro de Laranjeiras, zona sul do município de Rio de Janeiro.

1. Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em animais Domésticos,
Instituto de Pesquisa Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ. 2.
Laboratório de Vigilância em Leishmanioses, Instituto de Pesquisa Evandro Chagas,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ.

Endereço para correspondência: Dr Fabiano Borges Figueiredo. Laboratório de
Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em animais domésticos/IPEC/FIOCRUZ.
Av. Brasil 4365, 21045-900 Rio de Janeiro, RJ.
Tel: 55 21 3865-9536; Fax: 55 21 3865-9553

Recebido para publicação em 03/09/2009
Aceito em 12/01/2010

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Figueiredo FB cols - Leishmaniose visceral canina na região sul do Rio de Janeiro



DISCUSSÃO

SUPORTE FINANCEIRO

Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPQ).


A leishmaniose visceral americana encontra-se em processo
de expansão em várias regiões brasileiras, sendo registrados casos
humanos e caninos em áreas totalmente urbanizadas1. Duas décadas
após o registro da primeira epidemia urbana em Teresina, no Piauí,
o processo de urbanização se intensificou com a ocorrência de
importantes epidemias em várias cidades da região nordeste, norte,
centro-oeste e sudeste7.

Em Belo Horizonte, a leishmaniose visceral canina (LVC)
precedeu temporal e espacialmente a epidemia humana. O diagnóstico
do calazar canino, nessa ocasião, foi baseado, inicialmente, na suspeita
clínica de profissionais da prática privada, o que corrobora que a
percepção de médicos veterinários desse setor e do serviço público
resulta em benefício para a saúde pública8. A suspeita clínica inicial
do caso, aqui relatado, ocorreu em um serviço veterinário privado,
o que fortalece tal afirmação.

No município do Rio de Janeiro, o controle da LVC é feito através
de inquéritos sorológicos amostrais e posterior eutanásia dos animais
soropositivos, cumprindo medida preconizada pelo Ministério
da Saúde brasileiro1. Essas ações são desenvolvidas em bairros da
zona oeste do município, onde os casos de LVC são comumente
registrados5,6. Embora o animal deste estudo tenha apresentado
diagnóstico sorológico positivo para leishmaniose, por tratar-se de
uma área onde até então não havia registros da doença, buscou-se
outras abordagens diagnósticas e o caso somente foi confirmado a
partir do isolamento e identificação etiológica.

Laranjeiras é um bairro residencial localizado na zona sul do
município do Rio de Janeiro e que faz limite com os bairros de Santa
Teresa, Cosme Velho, Catete, Flamengo, Botafogo e Largo do Machado.
Possui área territorial de 249,35ha, com 65,4% de área urbanizada e
32,6% de área florestal alterada9. A presença de Lutzomyia intermedia
e transmissão autóctone de LTA já foi relatada neste bairro10 e, embora
sejam esses os únicos relatos, demonstra a possibilidade de instalação
da LVC, uma vez que Lutzomyia longipalpis possui extrema capacidade
de adaptação em ambientes modificados3.

A notificação de um caso de LVC nesta região, onde
anteriormente não havia registro de casos caninos ou humanos,
expõe a fragilidade do controle da doença e o risco de sua expansão
no município de Rio de Janeiro. O problema se agrava pelo fato da
urbanização da LVA ser um fenômeno relativamente novo e que
pouco se conhece sobre a dinâmica de transmissão nessas áreas7.

As relações entre os componentes da cadeia de transmissão no
cenário urbano parecem ser bem mais complexas e variadas do
que no ambiente rural7. O relato de um caso autóctone dessa
zoonose na zona sul do Rio de Janeiro pode significar alterações no
comportamento dessa endemia, e talvez, antecipar o surgimento de
um surto em áreas urbanas desse município, como já foi relatado
em outras cidades brasileiras1.

Um importante passo para a vigilância da LVA urbana no Rio de
Janeiro, além de estudos relacionados à fauna flebotomínica local e
avaliação de cães nas proximidades, seria o estímulo da qualificação
de profissionais de saúde, não só da rede pública como da privada,
para que o diagnóstico precoce possa ser instituído e as medidas
preventivas tomadas em tempo hábil.

REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde. Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral.
Ministério da Saúde (ed). Brasília. 2006.

2. World Health Organization. Control of Leishmaniases. Technical Report Series,
2008; 793.

3. Lainson R, Rangel EF. Lutzomyia longipalpis and the eco-epidemiology of
American visceral leishmaniasis, with particular reference to Brazil: a review.
Mem Inst Oswaldo Cruz 2005; 100:811-827.

4. Cabrera MA, Paula AA, Camacho LA, Marzochi MC, Xavier SC, da Silva AV,
et al. Canine visceral leishmaniasis in Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro, Brazil:
assessment of risk factors. Rev Inst Med Trop São Paulo 2003; 45:79-83.

5. Madeira MF, Schubach AO, Schubach TMP, Pereira SA, Figueiredo FB, Baptista
C et al. Post mortem parasitological evaluation of dogs seroreactive for Leishmania
from Rio de Janeiro, Brazil. Vet Parasitol 2006; 138:366-370.

6. Marzochi MCA, Sabroza PC, Toledo LM, Marzochi KBF, Tramontano NC,
Rangel Filho FB. Leishmaniose visceral na cidade do Rio de Janeiro - Brasil.
Cad Saúde Pública 1985; 1:5-17.

7. Gontijo CMF, Melo MN. Leishmaniose visceral no Brasil: quadro atual, desafios
e perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2004; 7:338-349.

8. Bevilacqua PD, Paixão HH, Modena CM, Castro MCPS. Urbanização da
leishmaniose visceral em Belo Horizonte. Arq Bras Med Vet Zootec 2001;
53:1-8.

9. Instituto Pereira Passos. Disponível em: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/
bairroscariocas/. Acessado em 23/06/2009.

10. Aragão HB. Leishmaniose tegumentar e sua transmissão pelos phlebotomos.
Mem Inst Oswaldo Cruz 1927; 20:177-186.


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